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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Breves considerações jurídicas sobre os direitos do Autista no tratamento da saúde

O autismo é uma condição permanente, a criança nasce com autismo e torna-se um adulto com autismo. Denomina-se pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Os direitos básicos e assegurados na Constituição Federal, tais como educação, saúde e todos outros inerentes à vida são, comumente, não atendidos pela Administração Pública, diante de pacientes que não reúnam condições econômicas financeiras para arcar com o custeio da aquisição dos remédios ou tratamento multidisciplinar. Porém, o poder judiciário já se posicionou favoravelmente sobre o tema:
"Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida." (PET 1246- MC, DJ 13.2.1997), Ministro Celso de Mello.
Não é demais lembrar que a unidade do serviço de saúde não dispor do tratamento não exonera a autoridade competente (governo federal, estadual ou municipal) do dever legal de adotar providências, perante o Sistema de Saúde, para suprir a deficiência e propiciar o atendimento devido. Nem mesmo o alto custo pode justificar a omissão estatal, pois é justamente esse fator que determina (buscar o judiciário através de advogado particular, público ou junto aos juizados especiais cíveis) a assistência à pessoa sem meios de obter o serviço. Nesse sentido, a jurisprudência:
“Reexame Necessário Ação Obrigação Fazer Sentença que julgou procedente o pedido para determinar ao Município o fornecimento de atendimento diário junto a APAE ou que custeie o tratamento em outra instituição especializada Autor portador de síndrome de espectro autista - Inteligência dos artigos 5º, inciso XXXV, 205, 206 208, inciso III e 227, todos da Constituição Federal, bem como nos artigos 54, inciso III, 98 e 101, inciso V, todos do ECA - Fornecimento gratuito do tratamento pleiteado, destinado a pessoa necessitada. Recurso desprovido” (Relator: Eduardo Gouvêa; Comarca: Andradina; Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Data do
julgamento: 16/05/2016; Data de registro: 16/05/2016).
O direito à saúde, nos ensinamentos do Professor José Afonso da Silva, deve ser entendido como o direito de todos e dever do Estado, que deve garanti-lo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos (cf. Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros: São Paulo, pg. 808).
De outro lado, quando se busca tratamento médico na rede privada de saúde, honrando com enormes mensalidades, a situação, infelizmente, não destoa do atendimento público. Todavia, a justiça não desampara o paciente com autismo, conforme entendimento jurisprudencial recente:
AGRAVO DE INSTRUMENTO Plano de Saúde - Menor -Transtorno de Espectro Autista Prescrição de tratamento com reabilitação multidisciplinar com fonoterapia com integração sensorial e Bobath, Terapia Ocupacional com Método Integração Sensorial e Psicoterapia com Método ABA - Negativa sob alegação de não constarem do rol de cobertura da ANS - Não se cuidam na espécie de tratamentos "alternativos", mas de métodos específicos para conferir melhor qualidade de vida e desenvolvimento ao autista, o que não pode ser obtido pelo fornecimento de profissionais sem interação e experiência sobre o autismo - Não excluindo a operadora do plano a doença, não podem ser excluídos os procedimentos, exames, materiais e medicamentos necessários ao tratamento Procedimentos que devem ser integralmente cobertos, uma vez não comprovado o oferecimento de qualquer tratamento adequado ao menor pela rede credenciada da ré - Precedentes do STJ e aplicação das Súmulas 96 e 102do TJSP - Presença dos requisitos do art. 300 do CPC - Recurso desprovido.(TJSP; Agravo de Instrumento2171152-92.2017.8.26.0000;Relator(a): Alcides Leopoldo e Silva Júnior; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Piracicaba - 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 14/12/2017;Data de Registro: 14/12/2017.
A paciência para lidar com esses pacientes é fundamental, já que pelo menos 50% dos autistas apresentam graus variáveis de deficiência intelectual. Alguns, ao contrário, apresentam alto desempenho e desenvolvem habilidades específicas - como ter muita facilidade para memorizar números ou deter um conhecimento muito específico sobre informática, por exemplo. Descobrir e explorar as 'eficiências' do autista é um bom caminho para o seu desenvolvimento.
Do mesmo modo, a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (artigo 205 da Constituição Federal).
Do ponto de vista ao direito à saúde na rede pública ou privada, é pacifico o entendimento da justiça o acesso ao tratamento da saúde e terapias diárias para o desenvolvimento das habilidades sensoriais. No mesmo caminho, o direito a educação na inserção do autista na rede pública é incontestável por força da Constituição da República.
Assim, finalizamos, com as breves considerações e que possam auxiliar de algum modo os pais, amigos (as), interessados ou simpatizantes das pessoas com autismo.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

LOAS e a Pessoa com deficiência

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. Essa é a definição utilizada na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (artigo 1º), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186/2008. Mas, para a legislação brasileira, a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho – um conceito restritivo que está na Lei Federal nº 8.742/93 (Lei da Assistência Social - LOAS).
A referida Convenção é norma de direito fundamental, que tem aplicabilidade imediata, como determina o artigo 5º, § 1º, da Constituição da República - CR/88.
Neste norte, o judiciário precisa refletir o que está em discussão são os direitos fundamentais da pessoa portadora de deficiência. Ademais, inequívoca a ligação entre os direitos das pessoas com deficiência e o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, CR/88).
A limitação do valor da renda per capita (por cabeça) familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Uma vez que representa apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade da pessoa.
O presente aresto demonstra a evolução do judiciário ao interpretar os direitos sociais de acordo com a Constituição da República de 1988 e beneficiar a pessoa com deficiência:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA RENDA PER CAPITA SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO-MÍNIMO COMO ÚNICO CRITÉRIO PARA AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 567.985/MT. QUESTÃO DE ORDEM Nº 20 DA TNU. INCIDENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Prolatado acórdão pela Turma Recursal da Paraíba, a qual negou provimento ao recurso da parte autora, mantendo pelos próprios e jurídicos fundamentos a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente, ao argumento de que a renda per capita é superior a ¼ do salário-mínimo vigente. 2. Incidente de Uniformização de Jurisprudência interposto tempestivamente pela parte autora, com fundamento no art. 14, § 2º, da Lei nº 10.259/2001. 3. Alegação de que o acórdão recorrido diverge do entendimento da Turma Recursal do Mato Grosso (processo 2008.36.00.700052-6, Rel. Juíza Federal Adverci Rates Mendes de Abreu), bem como do STJ (REsp nº 868.600/SP, Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA), segundo os quais o critério econômico de ¼ do salário-mínimo não é absoluto. 4. Incidente inadmitido na origem, sendo os autos remetidos a esta Turma Nacional após Agravo. 5. O Douto Subprocurador-Geral da República oficiante nesta TNU apresentou parecer no sentido do provimento do Incidente, para ver reconhecido o direito do requerente ao benefício assistencial pretendido. 6. Verifico inexistir a necessária similitude fático-jurídica entre o julgado do STJ e o acórdão recorrido. Isso porque naquele é admitida a utilização de outros meios de prova quando a renda per capita ultrapassa o limite de ¼ do salário-mínimo, sem ser tal análise, todavia, uma imposição, mas sim uma faculdade do julgador. E esse entendimento tem sido o adotado por este Colegiado, ex vi, PEDILEF nº 0511565-82.2008.4.05.8200 (Relator: Juiz Federal Janílson Bezerra de Siqueira, D.O.U:23/06/2013) e PEDILEF nº 0509039-71.2010.4.05.8201 (Relatora: Juíza Federal Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo, D.O.U: 16/08/2013). 7. Entretanto, com relação ao paradigma da Turma Recursal de Mato Grosso refaço a leitura de outrora (pois já decidi no sentido de que o julgado citado não impõe obrigatoriedade de se analisar outros meios de prova), e reconheço a divergência jurisprudencial que autoriza o conhecimento do Incidente. Deveras, o acórdão trazido como paradigma disciplina que "(...) não obstante a renda per capita auferida ser superior ao limite estabelecido na LOAS, nossa jurisprudência é farta no sentido da concessão do benefício para pessoas cuja renda seja superior ao máximo exigido, uma vez que deve ser considerada para fins de averiguação do estado de miserabilidade toda a estrutura social em que está inserido o postulante do benefício" (grifei), e o acórdão recorrido considerou apenas a questão de renda, a despeito de haver produzido prova oral (não valorada em tempo algum). Encontra-se, pois, configurado o dissídio jurisprudencial: o juiz é obrigado a analisar a miserabilidade por outros elementos existentes nos autos quando a renda per capita supera o limite do artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93? 8. Tendo em vista os princípios elementares do Processo Civil, poder-se-ia responder pela negativa. Deveras, o sistema processual pátrio consagra o princípio da persuasão racional do Juiz, também conhecido como o princípio da livre convicção motivada, com o que o magistrado forma livremente o seu convencimento (artigos 131 e 461, do CPC). Os professores das Arcadas da Universidade de São Francisco/USP em obra clássica (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pelegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. "Teoria Geral do Processo", 24ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 73), lecionam que esse princípio "regula a apreciação e avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção. Situa-se entre o sistema da prova legal e o julgamento secundum conscientiam". 9. Contudo, o recente julgamento do Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, que teve como Relator para acórdão o Ministro Gilmar Mendes, de repercussão geral, onde o Supremo Tribunal Federal declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, incita nova reflexão e manifestação deste Colegiado Uniformizador a respeito do tema. 10. Entendo não ser aceitável a não valoração das provas constantes nos autos e fundamentar a procedência ou improcedência da demanda apenas em critério quantitativo de renda que foi declarado inconstitucional pelo Excelso Tribunal em repercussão geral. E isso justamente porque o nosso sistema não é o da tarifação de provas, e tampouco permite o julgamento de forma livre e arbitrária, mas sim o de princípio da persuasão racional, conforme alhures exposto. 11. Assim, diante da nova análise a respeito da matéria, levada a efeito no mencionado Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, de onde copio trecho significativo, "Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro), a miserabilidade da parte, para fins de concessão do LOAS, deverá levar em consideração todo o quadro probatório apresentado pela parte e não unicamente o critério legal constante do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, repita-se, agora havido por inconstitucional pela Augusta Corte pátria, mercê da progressão social e legislativa. 12. Incidente de Uniformização de Jurisprudência conhecido e parcialmente provido para firmar o entendimento de que há a necessidade de valoração das provas produzidas nos autos para a aferição da miserabilidade mesmo quando a renda per capita seja superior a ¼ do salário mínimo, posto não ser este o critério único para aferição da miserabilidade. Retornem os autos à Turma Recursal de origem para adequação do julgado conforme a premissa jurídica ora fixada.

(TNU - PEDILEF: 05042624620104058200  , Relator: JUÍZA FEDERAL KYU SOON LEE, Data de Julgamento: 13/11/2013, Data de Publicação: 10/01/2014)

Deste modo, essa delimitação do valor não deve ser tida como um único meio de se atestar a condição de miserabilidade do beneficiado, até porque na maioria dos casos a pessoa com deficiência é menor e totalmente dependente de terceiro para os atos mais básicos da vida social e civil.
Diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo (LOAS) deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.


Franklin Brito, advogado com OAB/SP nº. 299.010 – franklinbrito@gmail.com. De acordo com Provimento nº. 94/2000 da OAB.